sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Sobre levitas, apóstolos e outros modismos: desabafo de um professor de teologia

Rev. Carlos Eduardo Brandão Calvani


Sou um professor de Teologia em crise. Não com minha fé ou com minhas convicções, mas com a dificuldade que eu e outros colegas enfrentamos nos últimos anos diante dos novos seminaristas enviados para as faculdades de teologia evangélica. Tenho trabalhado como professor em seminários evangélicos presbiterianos, batistas, da Assembléia de Deus e interdenominacionais desde 1991 e, tristemente, observo que nunca houve safras tão fracas de vocacionados como nos últimos três anos.

No início de meu ministério docente, recordo-me que os alunos chegavam aos seminários bastante preparados biblicamente, com uma visão teológica razoavelmente ampla, com conhecimentos mínimos de história do cristianismo e com uma sede intelectual muito grande por penetrar no fascinante mundo da teologia cristã. Ultimamente, porém, aqueles que se matriculam em seminários refletem a pobreza e mediocridade teológica que tomaram conta de nossas igrejas evangélicas.

Sempre pergunto aos calouros a respeito de suas convicções em relação ao chamado e à vocação. Pois, outro dia, um calouro saiu-se com a brilhante resposta: "Não passei em nenhum vestibular e comecei a sentir que Deus impedira meu acesso à universidade a fim de que eu me dedicasse ao ministério". Trata-se do mais típico caso de "certeza da vocação" adquirida na ignorância.

E, invariavelmente, esses são os alunos que mais transpiram preguiça intelectual.
A grande maioria dos novos vocacionados chega aos seminários influenciada pelos modismos que grassam no mundo evangélico. Alguns se autodenominam "levitas". Outros dizem que estão ali porque são vocacionados a serem "apóstolos".

Ultimamente, qualquer pessoa que canta ou toca algum instrumento na igreja se autodenomina "levita". Tento fazê-los compreender que os levitas, na antiga aliança, não apenas cantavam e tocavam instrumentos no templo, como também cuidavam da higiene e limpeza do altar dos sacrifícios (afinal, muito sangue era derramado várias vezes por dia), além de constituírem até mesmo uma espécie de "força policial" para manter a ordem nas celebrações. Porém, hoje em dia, para os "novos levitas", basta saber tocar três acordes e fazer algumas coreografias aeróbicas durante o louvor para se sentirem com autoridade até mesmo para mudar a ordem dos cultos.

Outros há que se auto-intitulam "apóstolos". Dentro de alguns dias teremos também "anjos", "arcanjos", "querubins" e "serafins". No dia em que inventarem o ministério de "semi-deus", já não precisaremos mais sequer da Bíblia.

Nunca pensei que fosse escrever isso, pois as pessoas que me conhecem geralmente me chamam de "progressista". Entretanto, ultimamente, ando é muito conservador. Na verdade, "saudosista" ou "nostálgico" seriam expressões melhores.

Tenho saudades de um tempo em que havia um encadeamento lógico nos cultos evangélicos, em que os cânticos e hinos estavam distribuídos equilibradamente na ordem do culto.
Atualmente, os chamados "momentos de louvor" mais se assemelham a shows ensurdecedores ou de um sentimentalismo meloso.

Pior: sobrepujam em tempo e importância a centralidade da Palavra e da Ceia nas igrejas protestantes. Muitas pessoas vão à igreja muito mais por causa do "louvor" do que para ouvir a Palavra, que regenera, orienta e exige de nós obediência. Dias atrás, na semana da Páscoa, comentei com um grupo de alunos a respeito da liturgia das "sete palavras da cruz" que seria celebrada em minha igreja na sexta-feira da Paixão. Alguns manifestaram desejo de participar. Eu os avisei, então, que se tratava de uma liturgia que dura, em média, uma hora e meia, durante a qual não é cantado nenhum hino (pelo menos na tradição de minha igreja - Anglicana), mas onde lemos as Escrituras, oramos e meditamos nas sete palavras pronunciadas por Cristo durante a crucificação. Ao saberem disso, um deles disse: "Se não houver música, não há culto".

Creio que, em parte, isso é reflexo da cultura pop, da influência da "Geração MTV", incapaz de perceber que Deus pode ser encontrado também na contemplação, meditação e no silêncio. Percebo também que alguns colegas pastores de outras igrejas freqüentemente manifestam a sensação de sentirem-se tolhidos e pressionados pelos diversos grupos de louvor. O mercado gospel cresceu muito em nosso país e, além de enriquecer os "artistas" e insuflar seus egos, passou a determinar até mesmo a "identidade" das igrejas evangélicas. Houve tempo em que um presbiteriano ou um batista sabiam dar razão de suas crenças.

Atualmente, tudo parece estar se diluindo numa massa disforme. Trata-se da "xuxização" ("todo mundo batendo palma agora... todo mundo tá feliz? Tá feliz!") do mundo evangélico, liderada pelos "levitas" que aprisionam ideologicamente os ministros da Palavra. O apóstolo Paulo dizia que a Palavra não está aprisionada. Mas, em nossos dias, os ministros da Palavra estão cativos da cultura gospel.

Tenho a impressão de que isso tudo é, em parte, reflexo de um antigo problema: o relacionamento do mundo evangélico com a cultura chamada "secular". Amedrontados com as muitas opções que o "mundo" oferece, os pais preferem ter os filhos constantemente sob a mira dos olhos aos domingos, ainda que isso implique em modificar a identidade das igrejas. E os pastores, reféns que são dos dízimos de onde retiram seus salários, rendem-se às conveniências, no estilo dos sacerdotes do Antigo Testamento.

Na maioria dos Seminários hoje, os alunos sabem o nome de todas as bandas gospel, mas não sabem quem foi Wesley, Lutero ou Calvino. Talvez até já tenham ouvido falar desses nomes, mas são para eles como que personagens de um passado sem-importância e sobre o qual não vale a pena ler ou estudar.

Talvez por isso eu e outros colegas professores nos sintamos hoje em dia como que "falando para as paredes". Nem dá gosto mais preparar uma aula decente, pois na maioria das vezes temos sempre de "voltar aos rudimentos da fé" e dar aos vocacionados o leite que não recebem nas igrejas. Várias vezes me vi tendo que mudar o rumo das aulas preparadas para falar de assuntos que antes discutíamos na escola dominical. Não sei se isso acontece em todos os seminários, mas em muitos lugares, o conteúdo e a profundidade dos temas discutidos pouco difere das aulas que ministrávamos na Escola Dominical para neófitos.

Sei que muitos que lerem esse desabafo, não concordarão em nada com o que eu disse. Mas não é a esses que me dirijo e, sim, aos saudosistas como eu, nostálgicos de um tempo em que o cristianismo evangélico no Brasil era realmente referencial de uma religiosidade saudável, equilibrada e madura e em que a Palavra lida e proclamada valia muito mais que o último CD da moda.

O Rev. Calvani é o coordenador do Centro de Estudos Anglicanos de Londrina, PR

Isso é uma vergonha!

ASSALTANTE BAIANO
Ô meu rei... ( pausa )
Isso é um assalto... ( longa pausa )
Levanta os braços, mas não se avexe não..( outra pausa )
Se num quiser nem precisa levantar, pra num ficar cansado ..
Vai passando a grana, bem devagarinho ( pausa pra pausa )
Num repara se o berro está sem bala, mas é pra não ficar muito pesado.
Não esquenta, meu irmãozinho, ( pausa )
Vou deixar teus documentos na encruzilhada .


ASSALTANTE MINEIRO
Ô sô, prestenção
issé um assarto, uai.
Levantus braço e fica ketin quié mió procê.
Esse trem na minha mão tá chein de bala...
Mió passá logo os trocados que eu num tô bão hoje.
Vai andando, uai ! Tá esperando o quê, sô?!


ASSALTANTE CARIOCA
Aí, perdeu, mermão
Seguiiiinnte, bicho
Tu te fu. Isso é um assalto .
Passa a grana e levanta os braços rapá .
Não fica de caô que eu te passo o cerol....
Vai andando e se olhar pra tras vira presunto


ASSALTANTE PAULISTA
Pô, meu ...
Isso é um assalto, meu
Alevanta os braços, meu .
Passa a grana logo, meu
Mais rápido, meu, que eu ainda preciso pegar a bilheteria aberta pra
comprar o ingresso do jogo do Corintian, meu . Pô, se manda, meu


ASSALTANTE GAÚCHO
O gurí, ficas atento
Báh, isso é um assalto
Levanta os braços e te aquieta, tchê !
Não tentes nada e cuidado que esse facão corta uma barbaridade, tchê.
Passa os pilas prá cá ! E te manda a la cria, senão o quarenta e quatro fala.


ASSALTANTE DE BRASILIA
Querido povo brasileiro, estou aqui no horário nobre da TV para dizer que no final do mês, aumentaremos as seguintes tarifas: Energia, Água, Esgoto, Gás, Passagem de ônibus, Imposto de renda, Lincenciamento de veículos, Seguro Obrigatório, Gasolina, Álcool, IPTU, IPVA, IPI, ICMS, PIS, COFINS...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Big Brother Brasil

Olhem o que disse Miguel Reale Júnior sobre o Big Brother Brasil:

Programas como Big Brother indicam a completa perda do pudor, ausência de noção do que cabe permanecer entre quatro paredes. Desfazer-se a diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado. Assim, expõe-se ao grande público a realidade íntima das pessoas por meios virtuais, com absoluto desvelamento das zonas de exclusividade. A privacidade passa a ser vivida no espaço público.

O Big Brother Brasil, a Baixaria Brega do Brasil, faz de todos os telespectadores voyeurs de cenas protagonizadas na realidade de uma casa ocupada por pessoas que expõem publicamente suas zonas de vida mais íntima, em busca de dinheiro e sucesso. Tentei acompanhar o programa. Suportei apenas dez minutos: o suficiente para notar que estes violadores da própria privacidade falam em péssimo português obviedades com pretenso ar pascaliano, com jeito ansioso de serem engraçadamente profundos.

Mas o público concede elevadas audiências de 35 pontos e aciona, mediante pagamento da ligação, 18 milhões de telefonemas para participar do chamado "paredão", quando um dos protagonistas há de ser eliminado. Por sites da internet se pode saber do dia-a-dia desse reino do despudor e do mau gosto. As moças ensinam a dança do bumbum para cima. As festas abrem espaço para a sacanagem geral. Uma das moças no baile funk bebe sem parar. Embriagada, levanta a blusa, a mostrar os seios. Depois, no banheiro, se põe a fazer depilação. Uma das participantes acorda com sangue nos lençóis, a revelar ter tido menstruação durante a noite. Outra convivente resiste a uma conquista, mas depois de assediada cede ao cerco com cinematográfico beijo no insistente conquistador que em seguida ridiculamente chora por ter traído a namorada à vista de todo o Brasil. A moça assediada, no entanto, diz que o beijo superou as expectativas. É possível conjunto mais significativo de vulgaridade chocante?

Instala-se o império do mau gosto. O programa gera a perda do respeito de si mesmo por parte dos protagonistas, prometendo-lhes sucesso ao custo da violação consentida da intimidade. Mas o pior: estimula o telespectador a se divertir com a baixeza e a intimidade alheia. O Big Brother explora os maus instintos ao promover o exemplo de bebedeiras, de erotismo tosco e ilimitado, de burrice continuada, num festival de elevada deselegância.

O gosto do mal e mau gosto são igualmente sinais dos tempos, caracterizados pela decomposição dos valores da pessoa humana, portadora de dignidade só realizável de fixados limites intransponíveis de respeito a si própria e ao próximo, de preservação da privacidade e de vivência da solidariedade na comunhão social. O grande desafio de hoje é de ordem ética: construir uma vida em que o outro não valha apenas por satisfazer necessidades sensíveis.

Proletários do espírito, uni-vos, para se libertarem dos grilhões da mundialização, que plastifica as consciências.

Miguel Reale Júnior, advogado, professor titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras.

O Estado de São Paulo, 02 de fevereiro de 2008.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Missão Integral e Ação Profética: Desafios a uma fé engajada na igreja - Parte 1

Introdução

Meu propósito nessa conversa será o de fazer uma breve avaliação crítica da questão do engajamento (social, político, cultural, histórico) da igreja evangélica brasileira. Sei da amplitude desse assunto, e não pretendo esgotá-lo aqui. Apenas quero olhar um pouco para a atuação ou não dos evangélicos no contexto brasileiro e então apontar algumas pistas ou desafios para que a igreja esteja cada vez mais engajada (comprometida, envolvida) com essa realidade.
Para tanto, minha reflexão está embebida da influência do “evangelicalismo integral”, advindo do movimento de Lausanne, que por sua vez nos remete ao Congresso realizado em Lausanne, Suíça, em 1974. Deste congresso saiu um documento que ficou conhecido como Pacto de Lausanne , e posteriormente veio embasar o conceito e a práxis da teologia da missão integral na América Latina. Ao longo desta exposição, farei uso de parte do conteúdo deste pacto para o que aqui nos interessa, mostrando, também, sua atualidade e relevância.
Engajamento? Onde e quando mesmo?
Ao tratar de “engajamento”, não posso abster-me de falar do que esta palavra significa hoje, seja na igreja, seja fora dela. Não tenho dúvidas que se trata de um termo “fora de moda”, e aqui não estou sendo pejorativo. Vivemos em uma sociedade pós-industrial, pós-histórica, pós-moderna, consumista e globalizada, onde quase não há mais agenda para a luta pelos interesses coletivos. Pelo contrário, se exalta cada vez mais a primazia dos interesses privados: do indivíduo, de sua tribo, de seu gueto, de sua confraria. A palavra de ordem da sociedade de consumo é “conforto”, e o grito de guerra é a nova música do Jota Quest: e se quiser saber pra onde eu vou, pra onde tenha sol, é pra lá que eu vou . 2
O conforto é uma das grandes ambições do ser humano, um verdadeiro lema de vida. Caminhamos em busca de uma espécie de “paraíso perdido”, como se Adão e Eva tivessem se arrependido de conhecer o “lado sombrio” da existência – tendo, porém, de se contentar em trabalhar pra sobreviver às custas de seu próprio suor, em saber que todo prazer relativo a esta vida é efêmero e que nada mais será como no “passado”, quando predominavam a inocência e a despretensiosidade. É óbvio que o conforto é bom, isso “ninguém pode negar”. Contudo, há pelo menos dois enganos comuns referentes à palavra “conforto”.

1 Palestra proferida originalmente no Congresso Micro-Regional da ABU Londrina, realizado em 18 de Novembro de 2006, na UNIFIL, Londrina, PR. 2 Jota Quest. O Sol. CD: Até onde vai. Epic, 2005.